Cantora e compositora celebra 75 anos em nova fase e bons tempos
“Faça certo que dá certo”. É com o lema herdado pelo amigo Padeirinho da Mangueira que a veterana Geovana se agarra com fé para fechar as feridas do passado e embalar o presente com cura e novos projetos. Nascida em 14 de junho de 1948, no Rio de Janeiro, a cantora e compositora chega aos 75 anos em paz: “Se não dá pra adiantar, não atrasa, né, meu bem? E eu sou assim mesmo: se me dizem que não, eu quero saber por que não. Eu sempre fui uma mulher de ir à luta, nunca deixei de pisar no chão com força”.
50 anos de carreira
Ainda garota, na década de 1960, a compositora participou das noites do Teatro Opinião e conviveu com figuras importantes, tais quais Silas de Oliveira, Dona Ivone Lara, Ismael Silva e João da Baiana. A sambista ganhou a primeira projeção nacional ao sagrar-se vencedora da Bienal de Compositores, em 1971, com “Pisa nesse chão com Força”, de sua autoria. Quatro anos mais tarde, em 1975, lançou o primeiro LP, “Quem Tem Carinho me Leva”, álbum que reúne no repertório músicas que se tornaram clássicos dos bailes de samba-rock e de música brasileira por todo o mundo como “Tataruê” e “Amor dos Outros”.
“Eu gosto muito desse disco, tem o Wilson das Neves, o Geraldo Bongo. Queriam que o título fosse ‘Rosa do Morro’, mas bati o pé e ficou ‘Quem tem carinho me leva”, conta Geovana, ou, Gegê, para os mais próximos e para a comunidade de fãs que a acompanha nas redes sociais. “Mas o trabalho foi longo, durou anos e não teve sequer um show de lançamento na época. Não foi uma prioridade pra gravadora”, explica a artista que já teve músicas interpretadas por Jair Rodrigues e Clara Nunes.
Recomeço
“As coisas não estavam nada bem e decidi sair do Rio”, recorda sem saudades Geovana, que atravessou longo período de ostracismo a partir do início da década de 1980. No início dos anos 2000, mudou-se para São Paulo. “Dei um duro danado, como sempre dei. Me virei, trabalhei na reciclagem, como cuidadora, até que virei segurança de uma casa de festas no centro. Aí fui conhecendo a turma”. Logo, integrou-se ao circuito de samba da cidade, tornando-se madrinha do Batalhão da Vagabundagem, movimento que preserva as tradições do partido alto.
De lá pra cá, a carreira ganhou fôlego e a artista voltou a se apresentar ao lado de seu conjunto Tataruê. Através de um financiamento coletivo, conseguiu produzir seu terceiro disco, “Brilha Sol”, lançado em 2020. O álbum marca o retorno da cantora com elegância e talento, apresentando repertório autoral inédito e duetos com artistas como Fabiana Cozza, Curumin, Luiz Grande, dentre outros. Como atestou o advogado, sambista e escritor, Nei Lopes, em um dos textos do encarte: “Eis Geovana de volta; negra sem preconceito e feminista com carinho. E chega num disco de produção cuidadosa”.
Bons tempos
Depois de uma temporada de apresentações ao lado do rapper Thaíde na Casa de Francisca, no início de junho, as comemorações em torno dos 75 anos da sambista continuam com dois shows no Itaú Cultural, nos dias 29 e 30 do mesmo mês. O segundo semestre da cantora prevê ainda o lançamento de novas músicas e também um documentário que conta mais sobre a artista que ficou conhecida como deusa negra do samba-rock. “Eu nunca pedi nada. Estou felicíssima com o que tem acontecido”.
Contemplado pelo 2º edital de apoio à Cultura Negra da Prefeitura de São Paulo, o documentário “Tataruê: o mundo negro de Geovana”, apresenta a sambista em bate-papos informais com amigos e personagens importantes de sua trajetória e da música brasileira, nomes como Haroldo Costa, Moisés da Rocha e Adelzon Alves. A compositora traz sua narrativa para os acontecimentos de sua carreira e recorda de personalidades negras importantes na história brasileira. Nomes como Beatriz do Nascimento, Maria Carolina de Jesus, Tia Ciata e Luiz Gama são lembrados. Este último, aliás, revelou-se em uma canção inédita. “É um samba-enredo que compus na década de 1980, na Quilombo”, explica Geovana, que participou da escola fundada pelo sambista Candeia. “Este samba é mais cadenciado, de outro tempo, e o último verso é do próprio Luiz Gama, em sua homenagem”.
A música está disponível nas plataformas digitais e foi incluída dentro da trilha sonora do documentário, filme com previsão de lançamento para o segundo semestre de 2023 (confira abaixo trecho inédito disponibilizado com exclusividade para o IMMUB). “Eu nunca desisti, pureza d`alma, sempre trabalhei e acreditei no meu trabalho, na minha arte. É tudo convagar, tudo tem seu tempo: é como se a vida tivesse me preparado para poder estar aqui agora. Sou como fênix”, conclui Gegê.
Camilo Bousquat Árabe é jornalista, produtor e músico. É amigo pessoal e produz Geovana há cerca de 10 anos. Co-produziu ao lado de Guilherme Lacerda, o disco “Brilha Sol” e assina a direção do documentário “Tataruê: o mundo negro de Geovana”. Já acompanhou e desenvolveu projetos junto a artistas como Wilson Moreira, Nelson Sargento e Zé Katimba, e é um dos idealizadores do Coletivo Sindicato do Samba, movimento que atua pela valorização em vida de mestres e mestras da música popular.
Coluna publicada originalmente no portal IMMUB no dia 14 de junho de 2023.
Deixe um comentário