Tenho compreensão que uma das mais bonitas histórias da minha vida foi conviver com mestre Wilson Moreira. Serei eternamente grato a isso.

Além de todas os causos, risadas e ensinamentos, coleciono também algumas cenas. Uma delas é a lembrança das muitas pastas em seu quarto, cheia de canções, caprichosamente refinadas, meticulosamente trabalhadas, palavra a palavra. Certa vez, no início de 2017, descobri que uma destas pastas abrigava sambas “feitos para a criançada e para os jovens”, uma ideia de Wilson e de sua companheira valente Angela Nenzy, importante pesquisadora e produtora.

Virou prioridade absoluta: desde o início dos anos 2000, nosso querido Alicate compunha inspirado em seu tempo e recordações da infância, músicas que apresentamos neste “Tá com medo, Tabareu?”, expressão que o então menino Wilson escutou em certo final de tarde, quando empinava pipa no bairro de Realengo, no Rio de Janeiro, onde cresceu.

Assim, através de um financiamento coletivo e apoio de muita gente amiga e querida (muito obrigado a todos benfeitores e benfeitoras), foi possível iniciar o projeto, em um processo longo e trabalhoso, sempre respeitando os limites dos mais de 80 anos do seu Moreira. Por sinal, nosso mestre foi impecável! Guerreiro determinado, de entrega total, um verdadeiro bamba, que estava com saudades do estúdio, já que não gravava um disco há mais de 20 anos.

Seria injusto não lembrar e destacar o carinho, talento e lealdade do maestro Paulão 7 Cordas que topou o projeto de pronto e sempre buscou confortar seu Wilson e ajudar a encontrar os seus caminhos melódicos, preservando toda a originalidade de suas composições.

Tal qual os Ibejis, Moreira sempre conservou a alma doce e pura, não por coincidência isso esteve tão forte no final da sua caminhada e culminou neste disco. De uma luminosidade infinita, Wilson nos brilhará sempre, afinal, ele foi mais que um sonho só meu, foi um sonho da música popular brasileira.

* Texto escrito por Camilo Árabe e publicado no encarte do disco “Tá com medo, Tabaréu?” do mestre Wilson Moreira. Camilo é um dos fundadores do Coletivo Sindicato do Samba e o responsável pela produção do disco de Wilson.